O
ENVIO MISSIONÁRIO – PARTE 1 Introdução
Por
Ronaldo Lidório
Olhemos para a igreja em Antioquia como paradigma de envio,
compromisso evangelístico e força plantadora de igrejas. A proposta é fazê-lo
sonhar com esse modelo bíblico. Não foram Paulo e Barnabé que iniciaram esse
grande movimento de plantio de igrejas entre os gentios, mas uma igreja,
sensível ao Espírito, com a visão do Reino, temor à Palavra e pronta para
servir. Igrejas plantam igrejas.
Leiamos
o texto de Atos 13, versos 1 a 3.
1
Ora, na igreja em Antioquia havia profetas e mestres, a saber: Barnabé, Simeão,
chamado Níger, Lúcio de Cirene, Manaém, colaço de Herodes o tetrarca, e Saulo.
2 E
servindo eles ao Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: Separai-me a
Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado.
3
Então, depois que jejuaram, oraram e lhes impuseram as mãos, os despediram.
O versículo 1 enumera cinco líderes da igreja em Antioquia
descritos sob a categoria de profetai kai didaskaloi (profetas e mestres).
Profetes era aquele que falava em nome de Deus, também utilizado no grego ático
tanto para pregador quanto para expositor das leis. O Didaskalos é o mestre (de
didasko: ensino) aplicado para aquele que possui discípulos e, parece-me que
nesse caso, esses didaskaloi estavam mais ligados à instrução dos novos
convertidos em Antioquia. Nessa lista primeiramente é mencionado Barnabé, o
qual era “natural de Chipre” (At. 4:36). Logo após Lucas cita Simeão,
referindo-se provavelmente a um africano “Níger” (negro) e menciona Lúcio “de
Cirene” provindo do norte da África. Também lista Manaém, colaço (syntrophos:
irmão de leite) de Herodes e finalmente Saulo.
O
versículo 2 começa com uma ação coletiva: “e servindo eles ao Senhor…”. E as
duas perguntas que devem ser aqui levantadas são: quem são “eles” e como
serviam ao Senhor? Há três possibilidades para entendermos “eles”, já que o
texto não o define: refere-se a toda a igreja em Antioquia; ou apenas aos cinco
líderes do verso anterior; ou ainda especificamente a Paulo e Barnabé
mencionados separadamente logo após.
Por
ausência de ligação textual creio que podemos excluir a “igreja em Antioquia”,
restando-nos assim os cinco líderes do versículo 1 e Paulo e Barnabé do
versículo 2. De qualquer forma, esses últimos são também mencionados na lista
de líderes, portanto os utilizaremos como pressuposto para “eles”. Sigamos,
portanto, para a pergunta principal: como serviam ao Senhor?
LEITOURGOI
– EDIFICADORES DO CORPO DE CRISTO
O
verbo “servindo” (leitourgounton) utilizado aqui, aponta para aqueles que
serviam ao Senhor como leitourgoi, servos. Lembremo-nos que havia três formas
de alguém se apresentar como “servo” no contexto neotestamentário:
Como
doulos – o escravo. Nas palavras de Candus “Aquele que pessoalmente acompanha o
seu Senhor para realizar os desejos do seu coração”. Portanto, doulos no
contexto do Novo Testamento é aquele que tem um compromisso direto com Deus;
que serve pessoalmente ao seu Senhor.
Como
diakonos – o mordomo. Aquele que serve ao seu Senhor através do serviço à
comunidade. Na palavra o termo é usado para aqueles que, sensíveis à
necessidade do Corpo de Cristo – física e espiritual – servem a Deus.
Ou
como leitourgos – o edificador. O termo, ligado à leitourgia (liturgia) não é
restrito como o usamos hoje. Refere-se àquele que serve ao Senhor sendo usado
por Ele para abençoar, edificar, o seu irmão. E essa é justamente a raiz do
verbo que expressa que Paulo e Barnabé serviam ao Senhor, afirmando assim que
eles eram, antes de tudo, abençoadores, ou edificadores do Corpo de Cristo em
Antioquia. Eram uma bênção, como se pode falar hoje.
Portanto,
a primeira característica apontada pelo texto a respeito desses dois homens que
iniciaram a obra missionária como a conhecemos hoje não foi a competência
intelectual, o título ministerial ou a profundidade teológica, mas a fidelidade,
e fidelidade de vida em relação aos de perto que os rodeavam em Antioquia.
Uma
aplicação objetiva do texto seria esta: não envie para longe aqueles que não
são uma bênção perto. Aquele rapaz que diz possuir um claro chamado
ministerial, se não tiver primeiramente um desejo ardente pelo ministério
comprovado pelo serviço em sua igreja local, certamente não o terá em lugares
distantes; ele não está pronto a ser enviado ao seminário ou ao campo. Aquela
jovem que insistentemente afirma ter um claro chamado ministerial para a obra
missionária em algum lugar distante, se não o demonstrar onde está com os
ministérios e oportunidades locais, não o fará também do outro lado do mundo;
ela não está pronta a ser enviada ao preparo ou ao campo.
APLICAÇÕES
DO TEXTO PARA A VIDA DIÁRIA
Já
vimos que não devemos enviar para longe aqueles que não são uma bênção perto
com base no verso 2.
Spurgeon
já falava, em 1885, que “nada é mais difícil do que se mostrar fiel aos de
perto que bem lhe conhecem” e aqui três rápidas aplicações poderiam ser feitas.
Pessoal.
Não há nada mais perto de nós do que a nossa família. Aquele que não pode ser
apontado pela esposa, esposo ou filhos como leitourgos no dia a dia de sua
casa, dificilmente será uma bênção fora dela.
Ministerial.
Líderes e pregadores que se destacam nos púlpitos e salas de aula de igrejas e
seminários, mas fracassam com a família, amigos e pessoas chegadas, não estão
prontos para o ministério. Plantadores de igrejas que são exímios no que fazem,
nas ruas, praças e templos, porém não têm testemunho de Cristo entre os seus,
não estão qualificados ao envio. O ministério não define o próprio ministério.
O caráter de Cristo em nós o faz.
Eclesiástica.
Não há nada mais perto da igreja do que a própria igreja, os irmãos com os
quais nos encontramos a cada semana. Se uma comunidade cristã não demonstra ser
leitourgos, abençoadora, para aqueles com a qual convive dia a dia, culto a
culto, dificilmente conseguirá fazer diferença em outros lugares, seja perto,
seja longe.
CONCLUSÃO
A
Palavra de Deus segue uma lógica quase sempre crescente. O que for fiel no
pouco será também no muito. Quem for uma bênção perto será também longe. É
necessário entendermos que “no pouco” e “perto” encontramos oportunidades de
aprendizado e crescimento. São ambientes onde podemos observar nossos próprios
corações, vermos as áreas de limitação da vida e buscarmos quebrantamento,
perdão e edificação para nossa caminhada.Vivemos um desafio constante de sermos
fieis no pouco e abençoadores aos de perto. Usemos desta oportunidade para
buscar verdadeiro quebrantamento de coração, pedir que o Espírito Santo nos
molde à imagem de Cristo, e nos preparar para continuarmos a caminhada ao ponto
de também sermos fieis no muito e abençoadores aos de longe.
O
ENVIO MISSIONÁRIO – PARTE 2 Introdução
Veremos neste artigo sobre a posição da igreja no processo de
envio missionário. O envio missionário está atrelado diretamente ao envio por
parte de igrejas locais. Há um número expressivo de vocacionados ao ministério
que não chegam aos seminários e campos por falta de orientação, acolhida e
envio por parte de igrejas locais. Um segmento precioso na igreja local são os
seus vocacionados. São eles que o Senhor usará para que outras igrejas sejam
pastoreadas, a Palavra seja traduzida para outros idiomas, igrejas sejam
plantadas em cidades e tribos, e ministérios de compaixão sejam desenvolvidos
entre os carentes. Devemos orar, acolher, encorajar, preparar e investir
naqueles a quem Deus chama e vocaciona.
E
disse o Espírito Santo
No
texto de Atos 13.1-3 lemos que, servindo eles ao Senhor, “disse o Espírito
Santo: separai-me…”. O texto não esclarece como o Espírito se manifestou e
falou à igreja, mas toda a ação deixa bem claro que a igreja prontamente ouviu.
“Disse” (eipen) vem de lego que significa “falar”, “se comunicar”. Pode ser
usado tanto para a comunicação direta ou via um mensageiro. Alguns exegetas
afirmam que o fato do Espírito ter falado à igreja se relaciona com o destaque
de Lucas no verso primeiro, ou seja, a existência de “profetas e mestres”.
Outros defendem que, por deixar indefinida a forma pela qual o Espírito falou à
igreja Lucas estaria sugerindo a presença de uma convicção subjetiva unânime no
meio do povo quanto ao chamado de Paulo e Barnabé. O certo, porém, é que o
texto declara como a igreja estava quando ouviu a voz do Espírito: jejuando e
orando.
O
conteúdo do que Ele falara foi “separai-me” (aphorisate), do verbo aphorizo, o
qual é um verbo exclusivista também usado em Mt 25.32 quando o pastor “separa”
as ovelhas dos carneiros. Aphorizo se diferencia de ekklio, pois não se trata
de uma separação de relacionamento (foram excluídos da igreja de Antioquia),
mas uma separação para uma função (permanecendo ligados à igreja são agora
designados para uma função além da igreja local). É o mesmo termo usado nos
Documentos de Cartago, quando cidadãos comuns eram chamados para engrossar as
fileiras do exército romano. Portanto, Paulo e Barnabé seriam separados porque
primeiramente haviam sido chamados e não o contrário.
É
bom também entendermos que ergon (a obra) para a qual foram chamados é um termo
genérico que tanto pode significar um ato quanto uma função e poderia ser
usado, nesse caso, por ser essa obra já bem conhecida por todos na igreja – a
evangelização dos gentios – ou também para chamar a atenção para o ponto
principal deste comando: não a obra, mas quem os chamou para essa obra.
Demonstra também flexibilidade ministerial indicando que a obra pode mudar, mas
o chamado permanece, pois se baseia naquele que nos chamou.
A
expressão “jejuando e orando” vem como um conjunto que se completa já que,
segundo Stott, “o jejum é uma ação negativa (abstenção de comida e outras
distrações) em função de uma ação positiva (culto e oração)”, e em subsequência
“impondo sobre eles as mãos…” traz a expressão epithentes tas cheiras que
possui vasto significado para o conceito de envio missionário.
IMPONDO
SOBRE ELES AS MÃOS
A
imposição de mãos tem um significado específico entre romanos e gregos no
primeiro século. Compreendê-lo também nos levará a perceber a nossa
responsabilidade em impor as mãos e enviar aqueles que devem pregar o Evangelho
de Cristo.
Sinal
de autoridade. Esse “impor de mãos” remonta ao grego clássico quando um pai
impunha suas mãos sobre o filho que lhe sucederia na chefia da família, ou
seja, uma transferência de autoridade. Para Paulo e Barnabé isso significava
que eles possuíam a autoridade eclesiástica para fazer tudo o que a igreja
faria, mesmo onde ela não estivesse presente como comunidade. É, portanto, ao
mesmo tempo uma carga de autoridade e responsabilidade. Como igreja em
Antioquia, eles poderiam pregar a Palavra, orar pelos enfermos e desafiar os
incrédulos, mas ao mesmo tempo precisariam também compartilhar da mesma
fidelidade e dedicação que existia naquela comunidade dos santos.
Sinal
de reconhecimento. Também era usado em momentos oficiais como na cidade de
Alexandria, quando vinte oficiais foram escolhidos especialmente para guardar a
entrada da cidade que sofria com frequentes ataques de nômades, e sobre eles
“foram impostas as mãos” em sinal de reconhecimento de que eram dotados das
qualidades para aquela função. Para Paulo e Barnabé consistia no fato de que a
liderança da igreja reconhecia não apenas o chamado (que era claro), mas também
a capacidade e dons para cumprirem a missão.
Sinal
de Cumplicidade. Encontramos também no grego clássico o “impor de mãos” no
sentido de cumplicidade, quando generais eram enviados a terras distantes para
coordenar uma província e as autoridades enviadoras impunham as mãos
demonstrando ao povo que eles não seriam esquecidos. Ou seja, permaneciam como
parte do corpo mesmo não estando entre eles. Para Paulo e Barnabé significaria
dizer que, por mais distantes que fossem, permaneceriam ligados à igreja de
Antioquia. Que essa igreja continuaria responsável por eles, amando-os,
desejando o melhor e com certeza os sustentando. A meu ver, impor as mãos como
sinal de autoridade e reconhecimento não é tão difícil como as impor em sinal
de cumplicidade, pois esse último é um ato contínuo que demanda dedicação e
profundo amor. Kent Norgan afirmou que “é mais fácil amar aquele que se vê e
ter compaixão ao que está sempre ao seu lado”.
Por
fim, a igreja “… os despediu” (apelusan), do grego apoluo que significa “fazer
as honras do envio”. “Apoluo” também pode ser usado no sentido de “liberar,
soltar, deixar que se vá”. Creio que havia aqui um aspecto prático no qual
líderes e irmãos pensaram também nas necessidades imediatas de Paulo e Barnabé
para a viagem e ministério. Apoluo é uma expressão formal, portanto nos leva a
crer que não foram despedidos de forma simples, mas antes houve um culto em que
a igreja oficialmente se reunira para os enviar: um abençoado culto de envio.
ALGUNS
PRINCÍPIOS NO ENVIO
Temos
aqui alguns princípios que podem ser observados no envio missionário.
No
processo do chamado não há apoio bíblico ao ostracismo. Ou seja, é inválida a
posição de irmãos que alegam ter ouvido a direção do Espírito Santo quanto à
vocação missionária, mas que desejam levar adiante essa missão sem a
participação da igreja local. Mesmo em um contexto onde agências missionárias
são usadas para facilitar os ministérios daqueles que vão, a igreja local
precisa permanecer na linha de frente no processo de seleção e confirmação do chamado.
Precisamos crer que o Espírito fala à igreja e devemos esperar submissão
daqueles que foram chamados à sua liderança local.
No
desafio ao envio missionário devemos evitar o institucionalismo. É o outro lado
da mesma moeda. A igreja, sozinha e desconhecendo o contexto, tomando decisões
e definindo metas, estratégias e prioridades a despeito da visão daqueles que
foram chamados. Precisamos crer que Deus colocará de maneira clara nesses
corações os desejos certos e a motivação que vem do alto. É preciso ouvir, e
com atenção, o que Deus fala aos chamados em sua igreja local.
No
momento do envio passamos para os enviados autoridade eclesiástica,
reconhecimento de que são qualificados e especialmente cumplicidade com a obra
para a qual foram separados. Ou seja, no processo do envio missionário o cordão
umbilical não pode ser cortado. A igreja, enviadora, é a responsável pela obra
que se inicia perante o Senhor. Igrejas plantam igrejas.
CONCLUSÃO
Oremos
e olhemos para os vocacionados em nossa igreja. Aqueles que sentiram e estão
convictos da vocação do Senhor. Talvez não saibam para onde, como ou quando
irão, ou se permanecerão, mas estão certos que o Senhor os chamou.
Oremos
por eles, sobretudo, por dois elementos importantes. O primeiro é o
discernimento. Eles precisam de Deus para saber qual é o próximo passo. Talvez
seja se envolverem com os ministérios da igreja local, se prepararem em um
seminário ou concluírem a universidade. Talvez seja buscarem a Deus para uma
área de suas vidas seja trabalhada. O próximo passo, porém, é sempre uma grande
necessidade para aqueles que foram chamados e ainda não partiram. O segundo
elemento importante é a perseverança. Oremos para que eles não parem ao longo
do caminho. Para que não se encantem com as luzes deste mundo e outros chamados
que não venham do Pai. Perseverar é uma das maiores necessidades na vida
daqueles que entendem a vocação ministerial e a igreja pode ajuda-los, como
Antioquia fez com Paulo e Barnabé.
Ninguém
sabe ao certo quando Deus falará à igreja de forma especial, mas o jejum e a
oração – sinais de uma comunidade piedosa e crente – são a postura daqueles que
ouvirão a Sua voz. Deus fala a muitos, contudo aqueles que se humilham ouvem
mais a Sua voz.
Envie suas perguntas para contato@povoselinguas.com.br,
para que possamos acompanhar e orienta-lo quanto ao envolvimento de sua igreja
no campo missionário.
Postado por
Celso Luiz Castro
Missão SEARA
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